30/10/2019

| Batom do Holocausto |


Fui (finalmente) ver a exposição Banksy - Genius or Vandal, patente na Cordoaria Nacional, em Lisboa, até 3 de novembro (despachem-se porque é imperdível), e fiquei muito impressionada com uma das únicas obras do artista da qual nunca tinha ouvido falar, Batom do Holocausto.
Junto à obra encontra-se um excerto do diário do Tenente-Coronel Mervin Willett Gonin DSO, um dos primeiros soldados britânicos a libertar Bergen-Belsen - um campo de concentração alemão -, em 1945, e partilho com vocês esse excerto, já que é bastante provável que, tal como eu, nunca tenham ouvido falar nisto.
Sem mais demoras aqui vai: 

'Eu não posso fazer uma descrição adequada do Campo de Horrores em que os meus homens e eu passaríamos o mês seguinte das nossas vidas. Era apenas um local ermo e seco, tão despido como um galinheiro. Cadáveres jaziam em toda a parte, alguns em enormes pilhas, outras vezes isoladamente ou aos pares, no lugar onde tinham caído. Demorou um pouco a habituarmo-nos a ver homens, mulheres e crianças a sucumbir quando passávamos por eles, e a deixarmos de ir em seu auxílio. Tínhamos de nos habituar depressa à ideia de que o indivíduo não contava. Sabíamos que estavam a morrer quinhentos por dia e que iam continuar a morrer quinhentos por dia, durante semanas, até que qualquer coisa que fizéssemos tivesse o menor efeito. No entanto, não era fácil ver uma criança asfixiar até à morte por difteria, sabendo que uma traqueotomia e cuidados de enfermagem a salvariam. Vimos mulheres afogadas no seu próprio vómito, porque estavam demasiado fracas para se virarem, e homens a comer vermes enquanto seguravam um pedaço de pão, só porque tiveram de comer vermes para sobreviver e agora mal conseguiam ver a diferença. Pilhas de cadáveres, nus e obscenos, com uma mulher demasiado fraca para se aguentar em pé apoiando-se neles, enquanto cozinhava os alimentos que lhe tínhamos dado numa fogueira; homens e mulheres a agachar-se em qualquer lado ao ar livre, aliviando-se da disenteria que descascava as suas entranhas, uma mulher de pé, nua, lavando-se com um pouco de sabão na água de um tanque onde os restos de uma criança flutuavam. Foi pouco depois da chegada da Cruz Vermelha Britânica, embora possa não ter ligação, que chegou uma quantidade muito grande de batom. Não era nada do que os homens queriam, nós gritávamos por centenas e milhares de outras coisas e não sei quem pediu o batom. Mas desejava tanto descobrir quem foi, porque foi uma ação de génio, de uma genialidade pura e completa. Acho que nada fez mais por estes reclusos do que o batom. As mulheres deitadas na cama sem lençóis nem camisa de dormir, mas com os lábios de um vermelho escarlate; víamo-las a vaguear apenas com um cobertor sobre os ombros, mas com os lábios de um vermelho escarlate. Vi uma mulher morta na mesa da autópsia que apertava nas suas mãos um pedaço de batom. Por fim, alguém tinha feito alguma coisa para torná-las de novo indivíduos, elas eram alguém, e não mais apenas o número que tinham tatuado no braço. Por fim, podiam interessar-se pela sua aparência. Aquele batom começou a devolver-lhes a sua humanidade.'

Sem comentários. 😢

P.S.: Se tudo correr de acordo com o previsto (figas, muitas figas), à hora em que este post é publicado devo estar no céu, enfiada num avião, rumo a uns (poucos) dias de férias.
Vão seguindo no Instagram a minha viagem (em @marta_fashionoir), aposto que vão adorar. Quase tanto quanto eu. 😉  

4 comentários:

  1. Eu nem consigo imaginar os horrores que estas pessoas viveram... Fico sempre emocionada. Boas férias !

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  2. Que relato...caramba. Parte o coração, mas ao mesmo tempo prova-nos que somos muito mais do que meras máquinas. Obrigada por partilhares.

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  3. Isto foi terrível... Gostava de um dia ir a um campo concentração, mas vai-me custar horrores!

    Beijinhos.
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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  4. Qualquer relato sobre o holocausto me perturba profundamente. Foi o que aconteceu com este.
    Umas boas féria.
    Um beijo.

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